Já agora, e o porco?Numa
sequência acho que de "Pierrot, le fou", Jean-Paul Belmondo queixa-se a
Anna Karina de que os seus olhos, os seus ouvidos e todos os seus
sentidos estão em autogestão (a expressão é minha, não de
Pierrot-Ferdinand), cada um sentindo para seu lado. Ocorre-me sempre
essa cena quando vejo os arautos do relativismo multicultural
"condenar" por um lado e "compreender" por outro (assim a modos que
Diderot: "Ah, madame!, que la morale des aveugles est différente de la
notre!") "especificidades culturais" como a mutilação genital feminina
nos países islâmicos ou os não-direitos do homem na China. A mim (mas
eu sou um primário), quando algo me revolta o estômago revolta-me
também a razão. É assim que certas "especificidades religiosas" me
fazem sentir (ao meu corpo todo) dentro de uma peça de Ionesco. E,
personagem eu próprio, ouvindo na TV um ministro israelita reclamar que
não se diga "gripe suína" porque o porco é uma criatura impura para
judeus e muçulmanos, dá-me para o multiculturalismo e para tentar ver a
coisa também do ponto de vista do porco: "E o porco, que pensará o
porco do assunto?".
JN - 29.04.2009