A vida dele é mostrar cinema
Joaquim
tem 83 anos e esta paixão imensurável. "É a cultura que me dá
longevidade". Ganhou e perdeu dinheiro. Muito. Agora percorre o país
para dar cinema. "Só esta terrinha, a Trofa, é que não quer nada""Só
para chatear os gajos, não vou já. E eu já estou em idade de morrer,
mas não morro já". Joaquim da Costa Azevedo, projeccionista ambulante
desde os tempos de Salazar, é teimoso. E apaixonado. Promete sê-lo até
ao fim: "Não desisto", jura - os "gajos", explica, "são os políticos",
os que nunca o apoiaram. Ainda assim, a magia da Sétima Arte chegará a
terras mais ou menos remotas empurrada pela perseverança. É assim há
décadas: Joaquim corre o país para "dar cinema" - "vou a todo o lado,
nem que seja no inferno", graceja. Tem 83 anos e esta paixão
imensurável. "É a cultura que me dá longevidade", determina. Nos
armazéns onde guarda as máquinas de projecção - drive-in incluída -,
espreitam sonhos por entre a desordem aparente e a magia do início da
"loucura". Foi num primitivo campo do Trofense, nas traseiras das
antigas instalações das Máquinas Pinheiro, em plena Trofa, onde Joaquim
nasceu e vive. Tinha, então, nove anos. Via cinema projectado pela
"empresa Artur & Irmã, num barracão de madeira. Eram dois
velhinhos", lembra. "Estava lá sempre a ajudar o velhinho e ia ver as
máquinas. Ficou a paixão". Seguiram-se escapadelas da escola. Chegou a
ser electricista, mas foi ao cinema que deu tudo. "É o espectáculo da
minha vida", concede Joaquim Azevedo.Ganhou e perdeu dinheiro.
Muito. Só no último ano, enterrou 30 mil euros no Cine-Aves, em Vila
das Aves. "Meti revistas e quanta coisa havia", diz. O público não
correspondeu e, sem apoios, Joaquim não pôde mais. E Santo Tirso viu
fechar a única sala com programação regular. Não torna a ser
voluntarioso. Explorar cinemas sozinho nunca mais, garante. Agora, o
trapezismo faz-se com rede: tem contratos com autarquias. Vai a Vizela,
Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel, Aguiar da Beira e Vouzela. E onde
requisitem o serviço da "Apolo Cine", que pode chegar em carrinhas onde
se lê, ainda: "Ao serviço da cultura; cinema ambulante; cinema ao ar
livre; drive-in". "Só esta terrinha, a Trofa, é que não quer
nada", sente-se. "Vou dar cinema a Trás-os-Montes e, na minha terra,
nada", insiste, entre a mágoa e a revolta. " É uma terra muito bonita,
mas é do pior que há. É um povo sem cultura, que nunca reclamou uma
sala de espectáculos".Espanta a desilusão com humor: "Quando eu
acabar, ninguém quer isto. Vou para o inferno e levo as máquinas
comigo, para dar lá cinema".
ANA CORREIA COSTA
JN - 30.03.2009