Os pobres, ai que medo!
Vá lá saber-se se foi Marx quem os iluminou, mas o facto é que os líderes da direita portuguesa têm uma noção perfeita da natureza da classe que pretendem conduzir. Perceberam que a burguesia, aqui ou em qualquer lado, tem uma reacção idêntica perante as dificuldades: enche-se de medo e, como os pioneiros do faroeste, fecha em círculo as carroças, prontos a disparar para fora.
Quem está de fora? Os pobres. A partir daquele momento, os pobres são um perigo. São 'o' perigo. Só deles pode vir o mal. Chumbo neles.
Este é, aliás, o retrato das burguesias coloniais ou das nações libertadas, nomeadamente em todo o continente americano: o pobre é recebido à bala, dispara-se primeiro e pergunta-se depois, se foi abatido por erro, paciência: se não era bandido, haveria de sê-lo, porque pobre é bandido, vadio, pronto a roubar.
Pobre e desempregado são o que os ianques chamam 'losers', derrotados. Ficam de fora do condomínio das carroças.
No fundo, a burguesia projecta no pobre o comportamento que teria se estivesse na condição deste: antes de ser 'loser', faria batota, fugiria aos impostos a que ainda não se atreve a fugir, roubaria se fosse preciso.
A burguesia não tem a lucidez e os seus líderes não têm a honestidade de identificar os culpados - os ricos - das suas tribulações: a burguesia, por idolatria aos 'winners', os vencedores; os seus líderes, por respeito de capataz a quem manda neles.
Começou Paulo Portas com a cruzada contra o rendimento mínimo, pintando os seus beneficiários (?) como vadios, calaceiros, ladrões da coisa pública. Por isso, exige que a verba seja paga em géneros, não vá o malandro gastá-la em vinho ou tabaco. Percebe-se: na sua base de apoio na 'lavoura' e nas empresas, sabe-se como certos subsídios são convertidos em jipes, iates ou fundos em 'off-shore', com a diferença de que cada um destes desvios vale por milhares de subproletários que recebam ilegitimamente o óbolo; e com a outra diferença de que estes são espiados e denunciados pelos seus iguais.
Para não ficar atrás, Pedro Passos Coelho inventou o trabalho comunitário gratuito para o desempregado. Só para humilhar: porque hão-de os jovens burgueses, quando se embebedam e espatifam o automóvel, ter de cumprir horas de serviço comunitário por sentença do tribunal e o malandro do ocioso não há-de estar ali também, para que aprenda?
Já percebem agora porque é que a burguesia mandante na Europa trata os países do sul como vadios, calaceiros, ladrões potenciais a manter sob vigilância, enfim, PIGS?
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JN - 24.05.2010